CASA TATO: ARTE COMO SUPERAÇÃO DA NOVA NORMALIDADE
Neste sábado pude visitar a exposição na Casa Tato, resultado de um programa de formação envolvendo artistas e curadores, uma série de encontros que atravessam este período da pandemia.
Confesso que fui tomado por sentimentos dividido entre a alegria por visitar uma exposição de arte novamente e o receio por todo o cenário que nos envolve. As imagens foram registradas por mim, com exceção da artista Cynthia Leitão, cujo crédito e agradecimento seguem para a Galeria Tato.
Estas imagens podem ter alguns problemas de ângulo, mas só quando cheguei em casa e abri os arquivos no computador, constatei que traziam essa carga de vida que mais que nunca precisamos celebrar. Por este motivo, peço desculpas pelo registro de qualidade inferior, mas espero que possam compreender e compartilhar a emoção que senti ao captá-las.
A seleção impecável de obras dos artistas Arlette Kalaigian, Corina Ishikura, Cris Basile, Cynthia Leitão, Heloisa Lodder, Jussara Marangoni, Kika Goldstein, Luciana Luchesi, Marcos Pereira de Almeida, Nil Sanchez, Rosa Grizzo, Rosana Pagura e Silvio Dworecki permite uma trabalho exploratório prazeroso pelos amplos espaços da residência ocupada como galeria para esta apresentação.
A pintura se mostra plena em sua diversidade. As telas de Arlette Kalaigian são expandidas pelas paredes, em uma dança de Eros, símbolos masculinos e femininos que se encontram e desencontram. Em Corina Ishikura testemunhamos sua dedicação no uso de cores, que criam universos de uma transparência delicada, subvertendo a densidade da tinta à óleo numa operação poética pela matéria. Cris Basile traz pinturas marcadas por formas orgânicas intensas, com uso de cores idem, mas ao mesmo tempo com uma leveza dada pela construção a partir do desenho, que norteia sua produção. Cynthia Leitão nos brinda com formas sendo construídas a partir da cor, em tons que apesar da sobriedade no conjunto, emitem pontos luminosos espaçados, como a criar um caminho por onde nosso olhar pode se deixar levar sem receios. Kika Goldstein opera um exercício audacioso quando coloca suas pinturas quase como lâminas de pigmento a tocar delicadamente as paredes, extrapolando o conceito de criar universos e constelações em suas telas também pelo modo como as apresenta. Rosana Pagura assume a figuração, em registros pessoais, como forma de discutir a pintura e seus desdobramentos, contemplando paisagens e ressignificando as mesmas. Em Silvio Dworecki também constatamos uma reflexão sobre a pintura, mas aqui tratada pelo uso de formas abstratas em construções marcadas pela cor.
A escultura se apresenta contundente na obra de Nil Sanchez, com seus corpos que nos falam da tradição do registro do movimento, mas com uma abordagem contemporânea pela sua fragmentação ou como são posicionados. Também o tridimensional nesta vertente aparece na obra de Luciana Luchesi, que também expõe pinturas, de um expressionismo forte e vigoroso. Destacamos as esculturas apresentadas, dotadas de um caráter agressivo porém atraente.
A fotografia comparece através de Heloisa Lodder, em registros primorosos que citam ou discutem pela imagem a pintura e a escultura, enquanto o conteúdo de suas escolhas nos fala de exclusão social e da degradação do espaço público por interesses equivocados.
Duas artistas apresentam obras que claramente, a partir da noção de instalação, constroem poéticas fortes e vigorosas. Rosa Grizzo ocupa o espaço de um cômodo que seria um quarto, e usa o bordado, o tecer sobre tecidos que já tem uma história, um modo de construir uma narrativa sobre memória e o feminino, a relação entre as gerações, pensando a sensibilidade como legado. Já Jussara Marangoni parte da pintura, de aquarelas preciosas que registram tijolos e as entrelaçam com desenhos e fotografias de árvores, discutindo a relação do espaço edificado com o natural, a necessidade de repensarmos nossa presença no mundo.
Única obra na área externa da casa, a instalação de Marcos Pereira de Almeida, com fragmentos de borracha de pneu, redesenha o plano que dá acesso a uma pequena sala, talvez originalmente uma garagem. O caminho e seu relevo são reconstruídos, inclusive se rompe com o limite entre o interno e externo, tudo unido pela textura, cheiro e cor da borracha.
Neste momento tão delicado que enfrentamos, cabe ressaltar que devemos continuar nos cuidando e tendo atenção com as orientações das autoridades de saúde.
Contudo, precisamos estar cada vez mais atentos à preocupante crise que se instala no campo da aprendizagem, da construção do conhecimento. Também uma crise no campo do sensível, das tentativas de brutalizar e desumanizar as escolhas e as possibilidades que temos como civilização.
Neste sentido, toda a experiência que tem sido construída pelo setor cultural, como este projeto da Casa Tato, merece nossa valorização e reconhecimento. A tendência é que possamos, de alguma forma, nos próximos meses, retomarmos cada vez mais o contato pessoal e o convívio em eventos e atividades culturais. Façamos com todo o cuidado, com todos os protocolos, mas façamos. É compreensível que muitos optem por aguardar mais tempo, e também não há problema algum. O essencial é que todas as ações pautadas genuinamente pela necessidade da arte sejam bem vindas.
Um dia de cada vez, mas todos juntos, amando, em cada um deles.
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