O Pequeno Colecionador: quando o artista e sua criança interior se encontram.
O Pequeno Colecionador é um projeto concebido em 2018 que pesquisa a criação de brinquedos e objetos lúdicos feitos por artistas. Envolve a descoberta do brincar pelo mundo, o modo como se dá o encontro com as artes visuais.
Criado e desenvolvido por Artur Lescher, Mariane Klettenhofer e Paula Azevedo, mantém um site para divulgação de suas descobertas e já realizou duas exposições com esta abordagem. A primeira exposição aconteceu em 2019 com a participação de vinte e um artistas.
A segunda edição da mostra acontece em outubro de 2020 com treze trabalhos produzidos por quatorze artistas. As duas exposições aconteceram na Carbono Galeria. Visitamos a edição atualmente em cartaz e compartilhamos aqui a experiência.
Albano Afonso traz O Pássaro e a Lua, que nos remete ao jogos de sombras, feitos com as mãos, tendo a luz vinda de uma lanterna ou de uma vela a projetar todo tipo de criaturas. Aqui, em peças girantes, se projeta a sombra de um pássaro a namorar a lua, brincadeira de uma delicadeza sutil e alegre.
Alexandre Mazza em Urucum apresenta um jogo de montar em acrílico que permitir construir uma pequena floresta e nos remete a este contraponto onde a natureza não pode ser remontada e necessita nosso olhar mais atento para sua preservação.
André Komatsu apresenta com Acordo um jogo de montar com cubos em diversos tons de branco. Perceber as diferenças entre as peças e chegar a um consenso para montar a composição final, um desafio como muitos que enfrentamos na vida.
Cadu em seu Barquinho Pop-Pop nos leva ao universo dos frágeis brinquedos de água, seja de papel ou com um pequeno mecanismo a vapor como este. Flutuar sobre a água, seja numa bacia ou na pia do banheiro, pode ser uma viagem ao imaginário das aventuras arquetípicas gregas, como sugere o outro nome deste brinquedo: Po-ri-cli-me-no Argonauta.
As esculturas em tecido Mandacaru, de Fernando e Humberto Campana, remetem a bichos plantas, que podem se mover e ser o que a criança desejar. O apelo tátil e a simplicidade sofisticada de cada peça remetem ao trabalho complexo da dupla sem deixar de priorizar sua função lúdica.
O boneco Resiste, de Lenora de Barros, traz, além da palavra que o nomeia, o rosto icônico da artista, recurso utilizado em muitas de suas obras. Coloca-se como um João Teimoso, num processo que remete à sua infância e ao mesmo tempo, na dinâmica de movimento interage e troca com a criança possibilidades de uma construção afetiva.
Márcia de Moraes compartilha um interessante jogo de montar com Os Encaixes e o Sol. Utilizando a lógica dos encaixes para montar uma imagem, rompe com conceito de peças que possam ser organizadas em um padrão e oferece uma pintura abstrata onde as cores são únicas pistas para a composição final.
O SubMarino de Marcia Xavier é uma peça que parte de um elemento lógico, com seu formato de óculos, para uma experiência lúdica ao extremo, com suas águas azuis alterando o modo como o espectador vê o seu entorno. Alterando os sentidos pelos olhar, faz pensar sobre nossos próprios sentidos.
Marcius Galan adota os jogos de tabuleiro como tema para sua obra e em O jogo do eterno retorno cria uma dinâmica de movimentação de peças que não tem final. Trata-se de um jogo que se move quase num looping, um processo sem término, que nos remete a uma reflexão sobre o tempo e o que realmente importa.
A Xiquinha de Marina Rheinghantz e Lucas Fazzio talvez seja a peça que melhor representa a proposta da exposição e do projeto. É um brinquedo de puxar, tem rodinhas e cordinha, e fica difícil não pensar em uma criança andando e arrastando algo atrás de si. A forma de tartaruga lembra os brinquedos de praia, baldinhos e outros que tais. Por fim, seu casco se abre e revela um céu estrelado e uma caixa de música. É um conjunto de elementos poéticos e ao mesmo simbólicos da infância como parte fundamental a se cuidar no ser humano.
Nazareno apresenta pequenos fantoches, diferentes entre si, mas todos com seus pequenos braços prontos a abraçar seu manipulador. Juntos propõe esse encontro do afeto pelo fantoche, outro formato clássico de brinquedo, mas também de teatro e de representação da vida através da arte.
A Torre Alienígena de Roberto Stelzer é ao mesmo tempo um quebra-cabeça e um jogo de tabuleiro, só que em formato vertical. O entrecruzar dos formatos, num sistema que também lembra uma escultura, permite aos participantes de forma extremamente lúdica vivenciar o estético.
A Maquetaria de Stela Barbieri, com sua caixa repleta de pequenos objetos que podem ser manipulados, encaixados, modificados e dispostos sobre uma base, lembra os jogos de montar. Contudo, aqui, serão criados mundos e universos limitados apenas pela imaginação e poética da criança. Ou seja, não terão limite algum.
Deve se destacar o cuidado da curadoria com a seleção de obras e artistas, e como é interessante constatar a extrema coerência entre a produção artística e as peças aqui apresentadas. Todas possuem uma tiragem, e podemos reconhecê-las como brinquedos, mas principalmente podemos ver uma experiência estética transformadora que pode ser desfrutada em família.
Imagens: Nilo de Almeida
Informações:
https://www.opequenocolecionador.com.br